Quem acompanha o blog já sabe que eu tenho pets – 2 cães e 5 gatos. Este post é sobre uma das minhas gatas em especial, a Myrtle. Ela é FeLV+, assim como sua mãe Zuri e sua irmã Bo.

Você deve estar se perguntando o que é FeLV. Eu te explico: é uma doença infecciosa causada por um vírus e que apenas atinge felinos. A sigla significa Feline Leukaemia Virus (vírus da leucemia felina). Apesar do nome, é incomum o vírus causar leucemia. Entretanto, é comum os gatos que têm o vírus sofrerem de anemia e serem mais suscetíveis ao desenvolvimento de linfomas.

Como disse, aqui em casa são 3 gatas positivas para o vírus. A Zuri eu tirei da rua e não sei quando contraiu o vírus. A Myrtle e a Bo nasceram na minha casa, então tenho certeza que pegaram o vírus da mãe. Esta contaminação pode acontecer durante a gravidez, na amamentação ou até mesmo depois, por meio da saliva. Meu gato mais velho, Boris, convive há anos já com as 3 e é negativo. É provável que ele tenha se contagiado, mas tenha expulsado o vírus e se tornado imune. Ele já era adulto (mais de 3 anos) e muito saudável quando trouxe a Zuri para casa. Meu gato mais novo, Mori (de Moriarty), foi resgatado quando tinha entre 8 e 12 meses. Como filhotes são mais suscetíveis ao vírus, optei por vaciná-lo com a vacina quíntupla, que previne contra a FeLV.

E isto me leva ao primeiro ponto que quero abordar aqui. A FeLV pode ser prevenida por meio de vacinação. A vacina V5, como TODA vacina, não é 100% eficaz. Mas gatos adultos e saudáveis já são naturalmente mais resistentes ao vírus. Somando-se à resistência natural esta proteção da vacina, ela se torna muito segura.

Com vacinação, gatos positivos e negativos podem conviver tranquilamente. Assim, se um dos seus gatos testar positivo, não se desespere! Vacine os outros e seja feliz. E se já tem gatos negativos e decidir adotar um gatinho positivo, basta fazer o protocolo de vacinação com a V5 nos seus outros gatos, antes de leva-lo para casa.

Agora vamos ao caso da Myrtle, especificamente. Numa quarta-feira de outubro de 2014, quando ela tinha um ano e meio, ela não dormiu comigo, como sempre fazia. Nos dias seguintes ela ficou um pouco quieta, se escondendo, sem brincar. Para trazê-la para dentro de casa, tinha que chantageá-la com petiscos (Dreamies são tipo cocaína para gatos). No sábado ela estava bem caidinha, até minha mãe reparou. No domingo de manhã ela estava praticamente morta. Mal conseguia levantar. Quando chequei sua gengiva, notei que estava completamente branca. Liguei para o hospital na hora para avisar que tinha uma gata que precisava de transfusão de sangue e perguntando qual era o critério para um gato ser doador. Já saí de casa com a Myrtle e o Boris, que é meu maior gato e, por sorte, não tinha o vírus (descobrimos só depois da transfusão).

A Myrtle chegou no hospital quase morta, com o hematócrito em 8% – o valor de referência é entre 22 e 38%. Fizemos uma transfusão de emergência e ela ficou internada. Só deu tempo de testar a compatibilidade entre ela e o Boris antes da transfusão. Os outros testes foram feitos apenas no dia seguinte.

Entre os exames realizados estava o teste para FIV (vírus da imunodeficiência felina) e FeLV e o dela deu positivo para FeLV. Depois deste resultado, testei todos os meus outros gatos e descobri que a Zuri e a Bo eram positivas também. Além disto, ela tinha mycoplasma, que é um parasita transmitido pela pulga e que ataca e destrói as hemácias, causando anemia. O tratamento pós transfusão foi para a mycoplasmose e ela chegou a melhorar, o ht chegou em 25%. Mas depois de mais ou menos um mês, despencou de novo para 11%.

Ao contrário do que acontece com quase todos os gatos com anemia que vejo por aí, a Myrtle não fez outra transfusão, porque o exame de lactato indicou que a oxigenação dela ainda estava ok. O veterinário que a acompanhava, que não era especialista em felinos, recomendou iniciarmos o tratamento com prednisolona, mas numa dose baixa, anti-inflamatória, mas que foi suficiente para subir o ht (hematócrito) para 16%. A principal suspeita dele, neste momento, era linfoma. O fígado e o baço dela estavam muito aumentados.

Fizemos citologia do fígado e do baço e mielograma (exame da medula), mas os resultados foram inconclusivos. Neste momento o veterinário encaminhou o caso dela para a especialista em felinos, Dra. Camila Ferreiro Pinto, porque ele não sabia mais o que fazer.

Serei eternamente grata à toda a equipe que cuidou da Myrtle e, especialmente, à Camila. Ela estudou o caso da Myrtle por uma semana e na primeira consulta já falou que suspeitava de AHIM – anemia hemolítica imuno mediada. O tratamento para esta anemia é suprimir o sistema imunológico. Parece loucura, já que uma das consequências da FeLV é a baixa imunidade e se faz de tudo para manter gatos positivos com a imunidade alta. Mas no caso desta anemia, é necessário fazer exatamente o contrário. Ela suspendeu o antibiótico, porque o problema não era o mycoplasma, mas sim o próprio sistema imunológico da Myrtle que destruía as hemácias. O gatilho pode ter sido o mycoplasma ou o próprio FeLV. O corpo tentou destruir o vírus ou o mycoplasma, mas ‘surtou’ e passou a atacar as hemácias. Típica doença autoimune.

Começamos a trata-la com doses altas de prednisolona e em uma semana o ht subiu para 29%. A dose que ela tomava era 10mg por dia e ela tinha 3,5kg. A dose imunossupressora da prednisolona é entre 2 e 4mg por kg. Menos que isso é dose antiinflamatória.

Depois deste aumento, que já a tirou da anemia, entramos com um quimioterápico, o Leukeran. Esta medicação trata linfomas, mas também é imunossupressora e tem até menos efeito colateral que a prednisolona. Com a combinação de medicações, o ht dela chegou em 35% e nunca mais caiu. Isso foi no fim de dezembro de 14 / começo de janeiro de 15. A partir daí, começamos a diminuir a medicação bem devagar. Devagar mesmo! Ela só parou toda a medicação em maio de 16, um ano e meio depois. E não teve mais anemia. Desde então, a Myrtle não toma medicação nenhuma. Só foi medicada quando fez um tratamento de canal – a bichinha conseguiu quebrar um dente…

A Myrtle é um dos poucos casos que vejo em que a AHIM foi diagnosticada cedo o suficiente para o tratamento funcionar. Por isso sempre insisto em buscar a causa da anemia o mais rápido possível. Se tivéssemos continuado tratando o mycoplasma cegamente, ela provavelmente não teria resistido. O mycoplasma, aliás, simplesmente desapareceu do hemograma depois de alguns meses, mesmo sem antibiótico algum. É muito provável que ela ainda tenha o parasita, mas está sob controle.

Como muita gente me pergunta sobre ela nos grupos sobre FeLV que participo no Facebook, decidi escrever este texto aqui. Assim posso direcionar tutores desesperados para cá e não ficam dependendo de resposta minha no grupo ou em mensagens. Meu desejo é que esta experiência ajude outros gatinhos, pois muitos veterinários não pensam na AHIM, especialmente quando outro agravante se apresenta (caso do mycoplasma) e a agilidade no tratamento correto é essencial.

Se você está nesta situação, meu primeiro conselho é: não se desespere. FeLV não é uma sentença de morte. Eu tenho 3 gatas positivas que estão assintomáticas e saudáveis há anos. Pelo menos duas nasceram com a doença (ou adquiriam ainda muito filhotes) e, destas duas, uma apresentou sintomas seríssimos e se recuperou. Todas já passaram do tão fadado ‘prazo de validade’ de 3 anos após o diagnóstico.

Meu segundo conselho é buscar um veterinário especialista em felinos. Gatos não são pequenos cães. É importante que seu veterinário seja familiarizado com as doenças de felinos.

O terceiro conselho é insistir para que o veterinário descubra a causa da anemia. Jamais aceite que te digam que é ‘da FeLV’. Mesmo em gatos FeLV+ a anemia pode ser causada por mycoplasma, por doença renal, por hemorragia, por câncer, ou pelo próprio sistema imunológico. Apenas sabendo a causa será possível tratar corretamente. E, no caso da AHIM, não existe um exame que indique isto. O diagnóstico é clínico e por eliminação. Quando o tratamento para o mycoplasma parou de funcionar e todos os outros exames foram inconclusivos, a Camila analisou todo o histórico e percebeu que a causa mais provável era a AHIM – por isso é importante um veterinário que entenda de gatos.

Espero que este relato ajude. Mas, se não for suficiente, pode deixar um comentário por aqui, me mandar uma mensagem ou me chamar no Facebook. Vamos trabalhar para desmistificar a FeLV e ajudar os gatinhos positivos a viver mais e melhor!